sábado, 8 de novembro de 2008

Construções...

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Ao contrário do que algumas pessoas supõem, ou pelo menos sobre alguns comentários, do fato de Chico Buarque ter uma posição política definida e assumida, por isso “possivelmente” adversa a de alguns companheiros de profissão como seria o caso com Caetano, por exemplo, e que talvez isso o colocasse mais distante dessas pessoas, o que na verdade realmente não ocorre.
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O mais interessante sobre um viés sociológico e político é justamente a capacidade de comunicação, e a capacidade de buscar convergência e assim produzir resultados práticos e efetivos para um contexto coletivo, sem ser excessivamente rígido ou flexível demais.
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Chico se caracteriza por ser um grande poeta sabidamente, mas também por uma personalidade crítica e solidária.
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Sua construção poética é fenomenal, assim como seu espírito social.
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Das muitas músicas de Chico que ouvi primeiramente, a que me causou maior impacto foi mesmo “Construção”.
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Mesmo porque além de revelar e textualizar uma construção em movimento com crítica social, ele consegue um virtuosismo sonoro interessante que desperta vários sentidos ao mesmo tempo.
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Entrevista

(Trecho de entrevista de Chico Buarque a Rádio Eldorado em 27/09/89)

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O quê você mais gosta da obra do Caetano?
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Chico Buarque:
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Eu gosto de tudo que o Caetano faz. Não tem o que eu gosto mais. Inclusive, porque ele continua fazendo e me surpreendo. Tenho uma relação pessoal com ele muito boa. Sempre tive.
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O que quê você acha que tem de mais diferente dele?
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Chico Buarque:
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Eu sou inteiramente diferente dele. Por isso mesmo que a gente se entende bem. Essa história, desse Fla-Flu que se criou... Eu até comentei com ele esses dias... É uma coisa artificial. Vai ser difícil me jogar contra ele. Apesar dos esforços que são feitos nesse sentido continuamente. Mas eu acho bobagem esperar que eu faça as músicas do Caetano ou que o Caetano faça as minhas músicas. Acho bom que ele faça as dele e que eu faça as minhas, que têm até uma origem comum, como eu disse no começo. A nossa formação é comum: a bossa-nova. Mas a cabeça dele é... Da minha. Eu me entendo com ele e acho que a minha música se entende com a dele também.
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O que você acha que mais aproxima vocês, além da relação pessoal?
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Chico Buarque:
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Eu não diria que é a música não. Diria o tempo. A gente tem uma história comum. Nós começamos juntos. E na relação pessoal é difícil você separar isso. Nós temos muita história vivida juntos. Essa geração toda, com Caetano, com Gil, com Milton, com Edu. Tem tanta coisa em comum que quando a gente se encontra não tem muito o quê falar não.
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Nota ( jornalista da Rádio Eldorado):
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Em 1979, num ensaio intitulado "O Minuto e o Milênio", registrado no recém lançado songbook de Chico pela Companhia das letras, o crítico e músico José Miguel Wisnick dizia: "As correspondências, afinidades e diferenças entre Chico e Caetano precisam ser acompanhadas de perto. Não é a toa que, freqüentemente, um é jogado contra o outro. Sabe-se que são, realmente, duas forças. No entanto, temos a mania maldita de só enfrentar a complexidade da cultura brasileira na base da exclusão: de Emilinha ou Marlene, a Mário de Andrade ou Oswald de Andrade, e daí, a Chico Buarque ou Caetano Veloso."
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Construção
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Chico Buarque

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Amou daquela vez como se fosse a última

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Beijou sua mulher como se fosse a última
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E cada filho seu como se fosse o único
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E atravessou a rua com seu passo tímido
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Subiu a construção como se fosse máquina
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Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
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Tijolo com tijolo num desenho mágico
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Seus olhos embotados de cimento e lágrima
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Sentou pra descansar como se fosse sábado
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Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
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Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
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Dançou e gargalhou como se ouvisse música
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E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
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E flutuou no ar como se fosse um pássaro
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E se acabou no chão feito um pacote flácido
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Agonizou no meio do passeio público
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Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
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Amou daquela vez como se fosse o último
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Beijou sua mulher como se fosse a única
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E cada filho como se fosse o pródigo
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E atravessou a rua com seu passo bêbado
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Subiu a construção como se fosse sólido
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Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
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Tijolo com tijolo num desenho lógico
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Seus olhos embotados de cimento e tráfego
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Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
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Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
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Bebeu e soluçou como se fosse máquina
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Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
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E tropeçou no céu como se ouvisse música
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E flutuou no ar como se fosse sábado
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E se acabou no chão feito um pacote tímido
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Agonizou no meio do passeio náufrago
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Morreu na contramão atrapalhando o público
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Amou daquela vez como se fosse máquina

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Beijou sua mulher como se fosse lógico
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Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
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Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
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E flutuou no ar como se fosse um príncipe
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E se acabou no chão feito um pacote bêbado
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Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
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Abaixo, vídeo da música "Construção" (04:05) com Chico Buarque e vídeo da música "Festa Imodesta" (03:54) com Chico Buarque & Caetano Veloso.


(Construção)

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(Festa Imodesta)

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Foto: Litografia de M. C. Escher (1960).

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